O Brasil está presenciando seu menor nível de juros na história. A taxa Selic, como é chamada a taxa de juros determinada pelo Banco Central, está em 5,5% ao ano. Esse valor pode ser entendido como base para o custo (livre de risco) de se emprestar dinheiro em um período de 365 dias. Entretanto, um movimento peculiar e inédito sobre os juros ao redor do mundo está chamando bastante atenção dos economistas e investidores.
Países como Japão, Alemanha e Holanda, possuem neste momento taxas de juros negativas! Isso mesmo, enquanto no Brasil precisamos pagar uma taxa adicional para receber dinheiro antecipadamente (em empréstimos), nesses países está acontecendo o contrário. As pessoas estão recebendo dinheiro para tomar empréstimos e pagando aos bancos para deixar seu dinheiro parado. Vamos a um exemplo hipotético para ilustrar:
Num cenário normal, se você for investir R$ 1.000.000 a 2% ao ano no regime de juros compostos, receberá R$ 1.104.081 após 5 anos. Incrível, mas esse é um cenário de juros positivos, com o qual estamos acostumados. Agora, imagine alguém que investe o mesmo montante com o objetivo para juntar para a sua aposentadoria, mas em um cenário com 2% de juros negativos ao ano. Nesse caso, após o mesmo período o investidor teria somente R$ 903.921. Menos dinheiro do que investiu inicialmente!
Apesar de parecer utopia, essa realidade tem se tornado cada vez mais comum. Observe no gráfico abaixo o cenário para títulos de dívida de 10 anos de grandes países. A redução na taxa de juros (de 2018 para 2019) foi unânime, com alguns países entrando até mesmo no território negativo que mencionamos.
Para entender os motivos e as consequências desse cenário, vamos destacar antes a estrutura da taxa de juros, que consiste basicamente na soma de dois fatores:
1) Valor do dinheiro no tempo
2) Variações no poder de compra (expectativa de inflação)
Exemplo: Se um banco ao conceder empréstimos, considerar que 4% ao ano é uma taxa de desconto que reflita o valor do seu dinheiro nesse período (1), e levar em conta também uma taxa de 3% de inflação esperada para o mesmo ano (2), pode-se estimar uma taxa total de juros de 7% ao ano.
Sem prolongar a definição, vamos ao que nos traz a esta publicação. Por que essas taxas negativas estão acontecendo? Pode-se destacar alguns motivos principais, dentre eles:
Bancos centrais desejam estimular a economia de seus países.
Ao estabelecer taxas de juros extremamente baixas ou negativas, o governo busca estimular o consumo da população e produtividade das empresas. Imóveis, carros, equipamentos e uma série de outros bens se tornam economicamente mais viáveis de serem adquiridos do que se dependessem de financiamento a um alto custo.
Avanço da tecnologia
Ainda que imensurável, o constante avanço da tecnologia tende a baratear alguns produtos e consequentemente diminuir de certa forma, a inflação. Conforme citamos anteriormente, a inflação é um dos componentes que contribui para a formação da taxa de juros, e com uma expectativa menor de inflação, temos uma taxa de juros reduzida.
Foco no curto prazo
Vivemos hoje em um mundo cada vez mais focado no curto prazo. Por esse motivo, há uma tendência de diminuição na busca por investimentos em títulos de dívida do governo no longo prazo (30 anos, por exemplo). Como reflexo dessa baixa demanda, para que o governo capte o dinheiro necessário, é preciso tornar as taxas de juros para esse horizonte de tempo cada vez mais baixas (e atrativas), chegando então ao patamar negativo.
Consequências dos juros negativos
Todo esse acesso ao dinheiro (por um custo menor) parece bastante convidativo, mas traz alguns riscos. Além da alta inflação que esse efeito pode gerar (caso não seja bem controlado), alguns outros pontos podem ser bastante preocupantes.
Ao contrário do efeito esperado pelo governo de que o consumo seria mais estimulado, movimentando a economia, o resultado está sendo um pouco diferente. Além do receio de investir seu dinheiro a uma taxa negativa, a maioria da população está gastando menos, com a esperança de ao menos preservar o patrimônio que possuem.
Ainda que países como o Japão tenham um histórico maior quando se trata de juros inferiores a zero, não se sabe ainda o verdadeiro impacto da retomada a patamares positivos. Como o valor dos títulos do tesouro são inversamente proporcionais à sua taxa de remuneração, um título que hoje esteja remunerando o investidor a uma taxa negativa, valerá menos quando a taxa de juros retomar para, digamos, 2% positivos.
Para a bolsa de valores, o Valuation das empresas se torna ainda mais complexo. Se hoje as empresas que possuem uma grande quantia de dinheiro disponível em caixa e baixo nível de endividamento, são vistas como valiosas, como iremos avaliar essa mesma empresa caso sua dívida, ao invés de tirar dinheiro da empresa, aumente sua receita, e seu dinheiro em caixa lhe traga custos?
Parece confuso, e de fato é. Não estamos acostumados com tal cenário e a incerteza sobre o que irá acontecer está tirando o sono de muitos investidores.
Mas por que alguém investiria conscientemente em algo que fosse diminuir seu dinheiro em um dado período de tempo? São dois os motivos principais:
1) Perspectiva de que as taxas irão cair ainda mais
Nesse caso, se você possui uma aplicação financeira com um rendimento de -2%, você está perdendo menos do que se ele estiver rendendo a -3%, então alguns investidores preferem garantir a taxa atual, com receio de que ocorra uma redução ainda maior.
2) Expectativa de deflação (Leia-se inflação negativa).
Este é um fenômeno econômico que também não temos tanta familiaridade no brasil. Quando há deflação, o poder de compra do consumidor cresce ao longo tempo. Ou seja, se uma cesta básica de alimentação custa hoje R$ 100 e a há uma deflação de 2% ao ano, no ano seguinte, a mesma cesta de produtos custará R$ 98. Nesse caso, se você investir os mesmos R$ 100 em algo que lhe dê retornos negativos de 1% ao ano, no ano seguinte você terá R$ 99 e seu poder de compra será maior (mesmo tendo menos dinheiro!), pois poderá comprar a mesma cesta de alimentação, e ainda lhe sobrará R$ 1.
Quais as alternativas?
Não seria mais fácil guardar dinheiro debaixo do colchão? Sim, mas essa alternativa é viável se você tem uma quantia pequena, como R$ 10.000 ou R$ 50.000 guardados. Ainda assim, mesmo que em países seguros e desenvolvidos, seria consideravelmente mais arriscado deixar uma quantia tão valiosa em casa, ao invés de um local seguro como um banco. Um fato interessante é que por conta desse fenômeno, a venda de cofres para residências tem crescido exponencialmente nesses locais. Como alternativa, as pessoas que possuem uma quantidade um pouco maior de reservas, têm cogitado até mesmo alugar metros quadrados em espaços dedicados para guardar suas notas de dinheiro.
Entretanto, ainda que os investidores com pequenas quantias tenham essas soluções, grandes instituições financeiras que gerenciam bilhões de Euros, não tem a mesma facilidade para armazenar seu dinheiro.
Uma vez que não são todos os países do mundo que estão convivendo com juros negativos, a alternativa mais evidente é buscar investir em locais que tenham retornos positivos.
Um fator que costuma restringir a entrada de investidores em certos mercados, é o risco-país, onde nações subdesenvolvidas ou emergentes (como o Brasil) que não possuem uma base financeira sólida, se tornam menos atrativos.
Mas em um cenário de desespero por retornos financeiros, investidores podem abrir uma exceção e fechar um pouco os olhos para esse risco. Nesse caso o Brasil pode se beneficiar com a entrada de recursos estrangeiros, visto que retornos positivos com uma Selic de 5,5% ao ano são muito mais atraentes do que meros retornos de 0,5% ou negativos de outros países. Ainda que o Brasil tenha historicamente taxas mais altas de juros (cerca de 10%), não despertava interesse no exterior, pois ainda que menores (cerca de 3% ao ano), as taxas de juros dos países desenvolvidos ainda eram positivas. Agora, como vimos, o cenário é diferente.
Observe no gráfico abaixo uma evidência da mudança do perfil de alocação de investimentos japoneses devido aos juros negativos que enfrentam atualmente. Podemos notar, entre 2013 e 2019, uma forte migração de títulos do governo para ativos mais arriscados, como ações e fundos de investimentos.
O Brasil terá juros negativos? Certamente não. Caso ocorra no cenário atual, veríamos uma inflação descontrolada e em altos níveis como na Venezuela. Nesse cenário hipotético, a busca e a facilidade de obter dinheiro seria tão grande que o Real praticamente perderia seu valor. A taxa de juros determinada pelo Banco Central já é estimada buscando uma inflação controlada, assim como ocorre em outros países. Mas diferentemente do Brasil, o Japão, por exemplo, consegue manter uma inflação anual de 0,3% (2018) mesmo com sua taxa de juros em torno de - 0,10%.
Grandes gestoras de recursos financeiros chegam a estimar a taxa Selic em 3,75% ao ano, ainda inferior ao recorde mínimo de 5,5% que estamos presenciando. Tal nível deve ocasionar uma migração representativa de investidores de renda fixa para o mercado de ações, em busca de maiores retornos.
Não há dúvidas de que estamos diante de um momento histórico na economia mundial, com desdobramentos e efeitos ainda desconhecidos. Qualquer estimativa sobre o tema possui uma base histórica ínfima para análise. Nos resta portanto, acompanhar e aproveitar as oportunidades.
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